2º Artigo de Opinião 2ª Edição - O que distingue o Barcelona das outras equipas de futebol?

29-11-2012 17:12

 

Professor Dr. Bruno Travassos

 

Em desportos coletivos, os jogadores, dentro da estrutura colectiva da equipa, exploram dinamicamente o contexto no sentido de decidir quais as suas possibilidades de ação. Alguma investigação tem demonstrado que as melhores equipas em diferentes competições são as que conseguem obter longas sequências de passes, para obtenção de golo ou para manutenção da posse de bola.

Este processo relacional é baseado na capacidade que os indivíduos têm em detectar as suas possibilidades de acção (“affordances”), i.e., em escolher o melhor momento para passar a bola de acordo com o padrão dinâmico do posicionamento dos diferentes colegas e adversários. Deste modo, o portador da bola tem que percepcionar o espaço disponível entre os seus adversários, as distâncias entre eles, a velocidade com que se deslocam, assim como a direcção dos seus deslocamentos.

O processo adaptativo para o surgimento do passe é, deste modo função da identificação de “janelas de oportunidade” espácio-temporais. Esta relação exige que os jogadores consigam detectar a informação relevante do jogo (“estarem afinados”) e consigam que as suas acções sejam adaptadas às exigências que o contexto lhes coloca (“estarem calibrados”). A percepção de uma possibilidade para a realização do passe é, deste modo, influenciada pela identificação de variações nas relações estabelecidas com colegas e adversários. Tendo por base a relevância que o passe parece assumir para o desempenho das equipas, desenvolvemos um estudo onde procurámos identificar quais são as variáveis que influenciam o comportamento dos jogadores no surgimento de um passe. Para isso foram seleccionados 21 passes que ocorreram para o interior da estrutura defensiva, durante uma situação de treino no futsal.

Foram analisadas as distâncias entre o portador da bola e os dois defesas mais próximos, bem como as distâncias entre os dois defesas, desde o instante em que o jogador que irá realizar o passe recebe a bola, até ao instante em toca a bola para realizar o passe. Verificámos que para os 21 passes, existe uma convergência nas distâncias analisadas no momento da realização do passe. Este resultado sugere que o passe tende a surgir face à convergência das relações espácio-temporais entre jogadores para uma janela de oportunidade estável e não porque está definido numa circulação previamente treinada.

Os resultados obtidos demonstram que a decisão de passar em desportos colectivos é constrangida pelos padrões ambientais que surgem no decorrer do jogo através de “janelas de oportunidades”. Por exemplo, quando observamos a equipa do Barcelona a jogar ou a treinar, verificamos a procura constante destas “janelas de oportunidades” espácio-temporais quer através da alteração do posicionamento dos jogadores quer da variação da velocidade da bola. De uma forma muito simplificada, o apelidado “tike-taka” tem por base a procura constante de janelas espácio-temporais que permitam a circulação e progressão da bola no espaço de jogo. Para isso, é fundamental um comportamento pró-activo na exploração desses espaços por parte do portador da bola, mas também dos companheiros de equipa que procuram deslocar-se para um espaço que permita o surgimento da “janela de oportunidade” para o passe (vejam por exemplo, https://www.youtube.com/watch?v=lGuaQ1khn2k). A deteção das relações espácio-temporais entre colegas e adversários (“estarem afinados”), bem como a adaptação do passe (velocidade, direcção, precisão) às janelas de oportunidades percepcionadas são condições fundamentais do jogo.

No entanto, estes comportamentos não acontecem de forma espontânea. Para que eles aconteçam é necessário utilizar os exercícios que potenciem os comportamentos que se pretendem observar em campo. Para isso, mais do que repetir de forma descontextualizada ações de coordenação coletiva, devem utilizar-se exercícios que mantenham as mesmas informações e ações tal como acontece em jogo (ver e comparar com o vídeo anterior, https://www.youtube.com/watch?v=3RNfaIW5k1g).

O processo de treino deverá ter em consideração esta relação entre jogador-ambiente no sentido de promover a identificação de “janelas de oportunidades” próprias para cada jogador e situação. A utilização de jogos reduzidos que vão ao encontro do desempenho pretendido em jogo é fundamental. Nos jogos reduzidos, para potenciar as relações espácio-temporais poderão, numa fase inicial, utilizar-se situações de inferioridade/superioridade numérica, uma vez que permitem mais tempo e espaço para decidir dando mais opções a quem ataca. Em termos defensivos obriga a um maior equilíbrio na ocupação espacial, pois o espaço a ocupar e o posicionamento defensivo terá que ter em consideração as possibilidades de acção dos atacantes para alcançar o objectivo do jogo. Para potenciar a “afinação” perceptiva e a “calibração” dos jogadores é fundamental uma definição clara dos objectivos do jogo que direccione a sua atenção para a informação do jogo, i.e., constante variação das distâncias entre atacantes e defesas, deslocamentos, imprevisibilidade e opções de escolha.

 

Bruno Travassos

Universidade da Beira Interior, Departamento de Ciências do Desporto

Centro de Investigação em Desporto, Saúde e Desenvolvimento Humano